As patentes chamadas genéticas, envolvem a patente de genes, fragmentos de DNA, ESTs, mutações (SNPs), proteínas, etc, é um assunto controverso e de extrema importância. Recentemente (julho/2011) foi divulgada a notícia que um Tribunal dos EUA decidiu que os genes podem ser patenteados. Porém, devemos ser cuidadosos ao ler tal afirmação e entender o que realmente esta notícia representa e quais são os mecanismos de patente nos EUA (a patente de alguns genes já vem sendo realizada nos EUA há muitos anos), que são diferentes do Brasil e da Europa.
A primeira pergunta importante: Por que patentar? Cientistas que trabalham em instituições públicas têm problemas devido à questão da propriedade intelectual por causa de suas restrições, o que torna a ciência mais lenta. Mas a lei da propriedade intectual protege as pesquisas de alto investimento feita por empresas privadas. As empresas são incapazes de investimentos substanciais sem proteção contra competição. Patentes garantem o direito de excluírem outros de fazerem, usarem e venderem sua invenção por um tempo limitado. As patentes devem facilitar a transferência de tecnologia do setor privado e no geral são consideradas positivas. Mas as patentes genéticas não são vistas como positivas por todos.
Patentes de genes isolados são a pedra fundamental da indústria de biotecnologia. Os críticos dizem que é antiético patentear algo que é parte do corpo humano ou do mundo natural. Alguns dizem também que o custo do teste poderia ser reduzido se as empresas não detivessem monopólios de testes em razão de patentes. A “patenteabilidade” das invenções sob as leis americanas são determinadas pelo “Patent and Trademark Office (USPTO)”. Um pedido de patente é julgado pelos seguintes critérios: a invenção deve ser útil num sentido prático, inédita, não óbvia e deve também ser descrita em detalhes. Produtos de DNA são apenas patenteados quando tiverem sido isolados, purificados ou modificados para produzirem de forma única, não encontrada na natureza. A USPTO tem 3 anos para avaliar uma patente. Na Europa, são 18 meses. Patentes no geral são válidas por 20 anos.
Governos, legisladores e tribunais americanos em geral adotam uma postura liberal em relação à comercialização de novas biotecnologias. Na Europa, há enorme controvérsia. A França, que baniu as patentes de genes, está batalhando contra uma diretiva da própria Comunidade Européia, que é a favor. No Brasil os genes humanos não são patenteáveis de acordo com o Art. 18 da Lei de Patentes Brasileira em vigor. Nela, é vedada a concessão de patentes e, portanto, exclusividade a quem quer que seja, para qualquer parte dos seres vivos.
Segundo Sérgio D. Pena, no seu artigo “Deve-se aceitar a patente de genes?”, quando a economia tem base na agricultura, a propriedade mais preciosa é a terra, protegida por cercas. Quando a economia tem base industrial, a propriedade mais preciosa é constituída pelas fábricas, protegidas por edificações. Atualmente, com a nova economia tecnológica, a propriedade mais preciosa é a informação, que tem de ser protegida por patentes. Apesar desse importante papel na economia atual, as patentes não têm uma boa imagem pública, sendo frequentemente associadas à idéia de mercenarismo. A patente é como um contrato entre um inventor e a sociedade. O inventor se compromete a tornar pública a sua invenção e, em troca, a sociedade lhe concede o monopólio para exploração da invenção por um período. Assim, o inventor tem segurança para comercializar sua invenção.
Por exemplo, estima-se que, para o desenvolvimento de um novo medicamento, seja necessário investir de US$ 200 a 400 milhões. Sem a proteção das patentes, as empresas farmacêuticas não fariam o investimento e os novos remédios jamais chegariam ao mercado. No campo da genômica, os investimentos privados somam quase US$ 2 bilhões. Essas empresas têm de garantir seu retorno financeiro, que virá na forma de produtos: testes diagnósticos e novos medicamentos. Esse retorno dependerá de as empresas poderem salvaguardar a propriedade intelectual por meio de patentes. Assim, do ponto de vista da lógica, as patentes serão uma parte inevitável e indispensável do processo de transferência do conhecimento. Para muitos a idéia de patentear genes humanos não agrada. No genoma humano está registrada toda a nossa história como espécie e projetada a nossa potencialidade evolutiva. Não queremos que seja propriedade de ninguém. Como conciliar esse conflito? Uma solução seria fazer patentes não dos genes em si, mas dos usos dos genes.
No artigo de Eloi S. Garcia (out./2005, Jornal da Ciência), ele afirma que por várias décadas, inventores e instituições clamam pelo direito de propriedade do isolamento de genes ou do desenvolvimento do uso específico terapêutico desses genes. Assim, não é surpresa esta constatação porque o DNA humano tem sido tratado com qualquer outro produto natural. Uma sequência isolada de DNA pode ser patenteada, se o inventor identifica uma nova aplicação do produto, da mesma maneira que um novo medicamento extraído de uma planta. As patentes genéticas foram fundamentais no desenvolvimento da biotecnologia nos anos 80 e 90 do século passado. A primeira patente obtida em 1978 foi do gene humano codificador do hormônio do crescimento.
O gene mais frequentemente patenteado, sendo ainda objeto de disputas legais, é o BRCA1 envolvido no câncer de mama. Basicamente os cientistas patenteiam genes que pensam ser relevantes para tratamento de doenças, como Alzheimer ou câncer. Alguns acreditam que as patentes de genes podem obstruir o futuro da inovação por dificultar os cientistas na procura de usos alternativos para um gene patenteado. Outros se preocupam com o alto custo social se cientistas, das academias ou indústrias, têm de enfrentar os direitos da propriedade intelectual para fazer mais progresso em suas pesquisas. Há aqueles que questionam o monopólio de uso de um gene por uma empresa e que acreditam que genes e suas funções não são invenções, são descobertas, não estando assim qualificados para serem patenteados. Segundo Eloi, nossos genes devem ser considerados um bem público e como tal ser utilizado para melhoria da qualidade de vida de toda sociedade.
O Escritório Europeu de Patentes concedeu em 2003 a empresa Myriad Genetics a patente sobre um gene que desempenha um papel fundamental no diagnóstico do câncer de mama. Qualquer cientista que precisar fazer testes com esse gene terá que pagar uma licença à Myriad. Para o Greenpeace, os genes sobre plantas, animais e seres humanos não são descobertas da indústria, mas um bem universal inalienável. A Myriad já obteve em 2001 duas patentes sobre outro gene relacionado ao câncer de mama, uma concessão contra a qual os Governos da Holanda e da Áustria apresentaram protestos. E mais recentemente, um tribunal dos EUA decidiu que a mesma empresa tem direito às patentes dos dois genes humanos utilizados em testes genéticos para avaliar se mulheres têm risco de desenvolver câncer de mama e de ovário (BRCA1 e BRCA2). A corte afirmou que os genes isolados pela empresa podem ser patenteados, porque a empresa está testando diferentes formas químicas do gene, que não aparece naturalmente no corpo. (Agora fica um questionamneto meu, se a empresa testa variantes do gene que não existem no nosso corpo, para que utilizá-los em testes de diagnósticos? Isso não ficou claro para mim e não faz sentido, imagino que a empresa está testando mutações deste gene, que devem estar associadas ao câncer, e claro que estas mutações podem estar presentes nas pessoas, mas nem todos terão a mutação, senão não faria sentido a empresa comercializar testes de diagnóstico, ou seja, pelo que entendi a empresa está patenteando uma/ou várias mutações genéticas, não sei se estou totalmente errada na minha observação, gostaria de saber a opinião de vocês!).
A decisão sobre a questão do patenteamento de genes foi também uma rejeição de argumentos feitos pelo governo de Barack Obama, que havia encaminhado um informe argumentando que DNA isolado não deveria ser patenteado. Esse informe foi contra a política desde há muito em vigor do Escritório de Marcas e Patentes dos EUA de conceder essas patentes. Segundo artigo publicado em 2006, o número de pedidos de patentes genéticas caiu substancialmente nos anos anteriores a 2006. Patentes que se referiam a ácidos nucléicos ou termos relacionados chegaram a um máximo de 4.500 em 2001, segundo relatório da revista Nature Biotechnology, e diminuíram nos quatro anos posteriores – talvez conseqüência do endurecimento do escritório de patentes com o pré-requisito de utilidade. Parte da tendência de queda pode ser relacionada a um movimento real de “código aberto” nas ciências biomédicas, parecido com o da informática. Em 1996, cientistas de todo o mundo, conceberam o que se convencionou chamar de Regras das Bermudas, estabelecendo que toda informação do Projeto Genoma Humano deve ser colocada imediatamente em domínio público. Ou seja, os pesquisadores tiraram patentes defensivamente, para se assegurar de que ninguém se apoderasse desse conhecimento.
Grandes empecilhos de propriedade intelectual podem começar a aparecer à medida que a genômica e a proteômica alcançam a maturidade. A pressão sobre um pesquisador que obtém direitos de propriedade intelectual sobre esses genes pode se tornar insuportável, dependendo de quão ampla for a gama de tipos de pedido e de como os detentores de patentes responderem a potenciais infratores. “A genômica e a proteômica estão apenas começando a render frutos na forma de diagnósticos médicos e drogas, disputas de propriedade acontecem para valer quando as coisas se aproximam do mercado”, diz Barbara A. Caufield, chefe do conselho da Affymetrix, a companhia de chips genéticos que é contra o patenteamento do DNA porque poderia impedir a pesquisa com seus produtos.
E você o que acha disso?
Para completar a leitura, achei um documentário chamado Patent For A Pig que fala sobre o patenteamento de genes em suínos: http://temasinternacionais.wordpress.com/2011/03/31/monsanto-patente-do-gen-do-porco/
Mas eu tenho vários questionamentos sobre este vídeo, que na verdade é um documentário contra a empresa Monsanto: 1) Eles dizem que a Monsanto quer patentear um gene em suínos, mas os pedidos de patentes são confidenciais (até serem aprovados), como eles sabem qual é o gene? 2) Eles dizem que não é fácil achar um laboratório para fazer os teste porque pode violar a patente – se a Monsanto tivesse a patente eles estariam violando a patente mesmo e nenhum laboratório faria o teste anonimamente, e se a patente foi concedida nos EUA, não na Europa (onde a maioria dos países não aceita este tipo de patente), não seria contra a lei fazer tal teste, pois parece que o teste é feito na Alemanha. 3) Eles afirmam que os resultados da engenharia genética não são seguros, mas temos milhares de estudos que comprovam a segurança. 4) Tem uma nota no site da Monsanto sobre este documentário abaixo).
Porcos e patentes
Em 2007, a Monsanto vendeu a Monsanto Choice Genetics para a Newsham Genetics LC, de West Des Moines, Iowa. A transação foi completada em novembro de 2007 e a Monsanto não atua mais na suinocultura. Desde uma campanha veiculada pelo Greenpeace em 2005, rumores continuam circulando por ativistas na Internet, dizendo que a Monsanto está tentando patentear genes de porcos. Quando administrava a Choice Genetics, a Monsanto realizou pesquisas para a aplicação de patente de um gene marcador específico de identificação de uma característica suína, mas não a característica em si, e também a aplicação de patente para um único processo de desenvolvimento, incluindo métodos de inseminação artificial. A Monsanto nunca solicitou patente de um gene suíno. Os opositores especulam que tais patentes proibiriam suinocultores de desenvolver linhagens de porcos que já estavam sendo produzidos. Isso não é verdade. As patentes seriam aplicadas apenas em animais que passassem a usar a tecnologia de genes marcadores em seu desenvolvimento. De qualquer maneira, a venda da Choice Genetics para a Newsham Genetics incluiu na negociação todos os direitos de patentes e propriedade intelectual. Assim, a Monsanto está fora dos negócios em suinocultura.
Fontes
Jornal da Ciência (http://www.jornaldaciencia.org.br)
http://www.laboratoriogene.com.br/geneImprensa/deve-seAceitar.htm
http://www.ornl.gov/sci/techresources/Human_Genome/elsi/patents.shtml
Folha de SP
Para conhecer mais
Who owns life? Editado por David Magnus, Arthur Caplan e Glenn McGee. Prometheus Books, 2002.
Intellectual property landscape of the human genome. Kyle Jensen e Fiona Murray, em Science, vol. 310, 2005.
Reaping the benefits of genomic and proteomic research: intellectual property rights, innovation, and public health. Comitê de Direitos de Propriedade Intelectual em Genômica e Pesquisa de Proteínas e Inovação. National Academies Press, 2005.